Incrível como os bairros de uma cidade grande são heterogêneos em termos de pichação e sujeira, né... Pois é. Peregrinando por BH (mas óbvio que esse contraste não é exclusivo de BH) acabei me lembrando de um artiguinho meio antigo (dezembro de 2008) publicado na Science com o interessante título de “A Disseminação da Desordem”. Nele, um grupo de pesquisadores holandeses tenta testar a “Teoria da Janela Quebrada (TJQ)”.
Talvez vários de vocês já tenham ouvido nessa teoria (Broken Windows Theory, no original), proposta por Wilson e Keling em 1982. A idéia básica é que sinais de “desordem” como janelas quebradas, pichações, e lixo acumulado na rua, acabariam induzindo mais desordem na sociedade através do aumento de comportamentos desordeiros e mesmo de pequenas contravenções. Essa idéia está por trás de todas as políticas públicas tradicionalmente conhecidas como “tolerância zero” implantadas em diversos países, e que têm na Nova York de Rudolph Giugliani talvez seu exemplo mais conhecido. A questão fundamental aqui, portanto, é: “Existe alguma base científica que justifique a teoria da janela quebrada?”
Kees Keizer e seus colaboradores, todos da Universidade de Groningen, argumentam que todos os relatos até agora publicados sobre a validade, ou não, da TJQ vêm de relatos de correlações, e de fato, correlações podem ser espúrias como explicativas de causalidade. Por exemplo, digamos que eu verifique uma correlação entre o número de assassinatos em uma cidade e seu número de escolas. Alguma relação de causalidade aí? Provavelmente não, já que quanto maior uma cidade, maior seu número de escolas e também o número de assassinatos lá ocorridos... Bem, o que Keizer e cols. pretendem é testar pela primeira vez de maneira direta, não-correlacional, a TJQ (uma versão final pode ser baixada aqui - embora sem o formato final da revista).
Resumidamente, eles bolaram seis experimentos e os executaram em Groningen. Em todos eles, os participantes foram cidadãos comuns que não sabiam que estavam sendo observados. Em três dos experimentos, foi avaliado se o fato de atirar ou não lixo no chão estava associado com: a), uma vizinhança (uma mesma rua foi usada) livre ou não de pichação b) um estacionamento de supermercado sem ou com carrinhos de compras espalhados pelo lugar, ou c) um ambiente com ou sem ruídos de fogos de artifício (segundo os autores há uma lei bem conhecida na Holanda que proíbe o uso de fogos de artifício na semana que antecede o ano-novo – o estudo foi feito nessa semana). Em outro cenário, foi avaliado o fato de atalhar ou não por uma passagem proibida estava associado com o modo como bicicletas estavam estacionadas na cerca de proteção (de acordo com uma placa indicando proibições ou em desrespeito à ela); e, finalmente, o último experimento avaliava o ato de furtar ou não um envelope mal-colocado em uma caixa de correios, onde uma nota de 5 euros estava visível em seu interior, quando a caixa de correios estava limpa, pichada ou com lixo espalhado ao seu redor.
Em TODOS os casos, as diferenças entre as situações de ordem e de desordem foram estatisticamente significativas. Nas situações de atirar lixo no chão as diferenças (em percentual, ordem VS. desordem) foram 33% vs. 69%, 30% vs. 58%, e 52% vs. 80% respectivamente. Bastante impressionantes, não? Pra mim é interessante que no último caso o percentual na situação de ordem foi bem mais alto que nos primeiros experimentos... efeito do ambiente anterior de onde os sujeitos vinham (próximo a uma estação de trem)? Nas outras situações ficou assim: o atalho foi usado em 27% vs. 82% das vezes, e o envelope, nas situações de ordem, pichação, ou lixo, foi furtado em 13%, 27% e 25% das vezes, respectivamente. A sugestão dos autores é que quando os sujeitos (e por “os sujeitos” leia-se seres humanos. Ou seja, nós) percebem que uma determinada regra não é seguida isso nos sugere que outras regras não precisam ser seguidas naquele ambiente, em conformidade absoluta com a TJQ!
O que eu acho especialmente legal nesse trabalho é que o desenho experimental me pareceu muito bem feito. Claro, poderíamos sempre nos questionar o quanto os mesmos resultados seriam corroborados por estudos em outras cidades. Como essa não é uma literatura que eu acompanhe, confesso que não sei se isso já foi feito e com que sucesso. De qualquer forma, a mensagem é clara, a política de tolerância zero parece ter base para funcionar.
Tinha um comercial dos pneus Pirelli que dizia que “potência não é nada sem controle”. Pois parece que civilização também não é nada sem controle.