quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Genoma: A Nova Bola de Cristal




          A Nature de hoje traz uma reportagem sobre o primeiro ano do geneticista Francis Collins à frente do Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, talvez a agência de fomento à pesquisa mais importante do mundo. Mas cá entre nós, política é um assunto meio pedregoso (embora necessário), e ainda mais tratando-se de política científica americana é melhor esse blog ficar fora da jogada...


          Bom, mas se o primeiro parágrafo é esse... qual é o assunto desse post? Na verdade esse é o primeiro post, de uma possível série, que pretende discutir um pouco as implicações do conhecimento do genoma humano para o entendimento, tratamento e diagnóstico preditivo de doenças comuns. Francis Collins, pra quem não lembra, foi o líder do consórcio público para sequenciamento do Genoma Humano (concorrendo com o consórcio privado de Craig Venter), cujo rascunho inicial foi publicado no início de 2001. Francis Collins, mas não apenas ele, é um dos muitos cientistas que vende ao público a idéia de que uma vez conhecida a sequência de DNA de um indivíduo uma nova era de medicina “personalizada” será possível. Aliás, Craig Venter, o primeiro indivíduo a ter seu genoma sequenciado (em 2007), publicou um artigo de opinião na Nature de 1º de abril (?!) desse ano no qual afirmava , em tradução livre, que “a revolução genômica está apenas começando”. Mas voltemos ao Francis Collins e ao propósito do post.

         Uma informação logo no início da reportagem da Nature nos informa que após pedir para três companhias avaliarem seu genoma para doenças futuras, Collins recebeu três diagnósticos sugerindo que ele poderia desenvolver diabetes do tipo 2 no futuro, e isso o fez mudar alguns hábitos de vida, incluindo exercícios físicos regulares e uma dieta melhor balanceada. Mas peraí... Vocês já estão começando a rir? Já estão chocados? Ainda não? Bom, vamos por partes...

          Em primeiro lugar, é certo que o genoma humano permitiu uma caracterização expressiva da variação genética da nossa espécie, mas ainda é pífio o conhecimento sobre os fatores genéticos que influenciariam o surgimento de doenças complexas. Diabetes tipo 2 é uma doença especialmente infernal no sentido de ser amplamente estudada e com pouquíssimo consenso sobre quais fatores realmente são importantes em diferentes contextos genéticos e ambientais. Mas tudo bem, vamos supor que tudo isso fosse conhecido. Segundo ponto: qual a probabilidade de que ele fosse desenvolver a doença? Porque, putz né, não estamos pensando aqui que as suas variantes fossem DETERMINAR que ele desenvolvesse diabetes, mas apenas que conferissem a ele chance maior de doença. Então tá, ok. Quanto mais? 10% mais do que a média? 40%? 50, 70, 90%?? E qual a chance de que novos hábitos de vida reduzissem essa chance? Para quanto? O que fazer com esses números (já perguntou Humberto Gessinger)?? Ele precisava fazer três varreduras genômicas pra começar a comer iogurte e granola??

          Outro caso muito interessante pra pensarmos nessas questões de chance e genoma é o do caso do jogador de futebol francês (de origem africana) Diarra (que fiquei sabendo no blog da Karla. A reportagem do Correio Brasiliense está aqui), que, diagnosticado com anemia falciforme, não pôde ir à Copa da África. Vamos lembrar, trata-se de um atleta de altíssimo nível. E aí? Cuidado responsável com a sua saúde ou discriminação genética? Complicado, né?

          Pode ser pessimismo meu, mas como uma das poucas verdades absolutas nas quais acredito é que “as coisas são complexas” (junto com “sempre pode piorar”), não consigo me juntar àqueles que têm tanto entusiasmo pelos aspectos preditivos do estudo do genoma humano. Tantas variáveis, tantas interações entre genes e ambiente, tanto acaso nas próprias histórias de vida, pra no fim a gente chegar a um número que vai refletir uma probabilidade com a qual ninguém vai saber exatamente o que fazer?? Óbvio que é super importante conhecermos os fatores genéticos que influenciam características patológicas (e normais), mas realmente chegaremos a qualquer nível razoável dessa tal de medicina personalizada que estão prometendo há mais do que uma década?? E queremos isso??

           Será a “nova era” da medicina genômica personalizada a materialização dos nossos piores pesadelos deterministas?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Dez anos de Genoma no Brasil



Há pouco mais de dez anos, em 13 de Julho de 2000, um consórcio de laboratórios paulistas publicou na revista Nature, com financiamento da FAPESP, o genoma completo da bactéria Xylella fastidiosa, que afeta o sistema vascular de diversas espécies de plantas (no caso, o isolado estudado infectava laranjeiras). Foi o primeiro genoma sequenciado e montado no país.

O aniversário de dez anos dessa publicação foi lembrado pela própria Nature (http://www.nature.com/nature/journal/v466/n7304/pdf/466295a.pdf). A principal conclusão da revista é que a história de sucesso do genoma da Xylella (publicação na Nature, criação de companhias de biotecnologia - posteriormente compradas pela Monsanto, desenvolvimento de patentes) não gerou muitas histórias semelhantes na década que se seguiu. Parece faltar, na visão da revista, coragem suficiente na ciência brasileira para que se investa em idéias arrojadas e, principalmente, em esforços maiores que liguem a ciência básica à ciência aplicada, ao menos se tratando de biotecnologia.

Numa época em que o sequenciamento de um genoma bacteriano era um esforço técnico considerável para garantir uma publicação (de capa) na Nature, o projeto Xylella foi também uma mostra do poder econômico (e político) da FAPESP. De fato, uma iniciativa semelhante comandada pelo CNPq (Projeto Genoma Nacional) em nível nacional é bem posterior ao projeto Xylella - os primeiros sequenciamentos do projeto do CNPq começaram a ser feitos apenas em 2001.

Mas o sucesso dos projetos Genoma feitos no Brasil vão além da questão da publicação e, mesmo, do desenvolvimento de patentes, embora essas sejam medidas inegavelmente importantes. Nesse tipo de projeto, ainda mais quando feito em consórcios de laboratórios, são também objetivos primários prover os laboratórios com equipamentos modernos e treinar os pesquisadores para lidar com esse tipo de dado. Para que ambos sejam usados em projetos subsequentes. Nesse sentido, acho que todos os projetos Genoma foram extremamente bem sucedidos no país.

E aqui tem algo importante; isso de “medir” sucesso. Quando essa medida vira um “número”, seja o número de publicações derivadas do projeto, o fator de impacto da revista, ou uma conta complicada do custo médio de cada publicação, toda a parte de formação de recursos humanos se perde, e seria um crime engessar a política científica com f´rmulas simplistas.

Tá, mas e o futuro? As técnicas usadas em genômica atualmente são muito diferentes do que aquelas de dez anos atrás (e geram um volume de dados absurdamente maior). Embora a Nature jogue a responsabilidade da inovação sobre os pesquisadores individuais (talvez com um pouco de razão), quem conseguiria aprovar um projeto individual ambicioso? Pouquíssimos pesquisadores! Já existem no país alguns grupos capazes de gerar e lidar com esses dados, mas são poucos. Talvez fosse interessante pensar se seria estrategicamente importante para a Biologia Molecular brasileira a criação (mas sim, alguém tem que propor...) de algum novo projeto nacional para equipar alguns laboratórios e, principalmente, formar gente capaz de fuçar nos dados disponíveis atualmente.

O Brasil fez um avanço tremendo há dez anos, mas as técnicas científicas mudam rapidamente. Não podemos nos arriscar a ficar para trás agora.

PS: Outra discussão pode ser: Num país de recursos financeiros limitados, é justo gastar uma pequena fortuna em um projetão de genética e biologia molecular, que de certa forma, já são as “primas ricas” nas ciências biológicas no país? Embora essa seja uma questão complicada (e eu tenha um viés óbvio por ser geneticista), acho que sim. Além de ser uma iniciativa que ajudaria a ligação da ciência básica com algo mais aplicado (que de fato, não é o forte por aqui), a formação de recursos humanos capazes de lidar com essas informações certamente contribuirá também na interação dessas novas técnicas com áreas menos aplicadas como a genética evolutiva e a genética da conservação.