sábado, 31 de julho de 2010

O presidente e a perereca



Nessa última quinta-feira, em Porto Alegre, o presidente Lula voltou a comentar sobre os atrasos no cronograma de obras do PAC. O que nos interessa em nosso blog é que, ao comentar sobre um episódio, durante a duplicação da BR-101 no RS, no qual a construção de um túnel foi interrompida pela descoberta de uma espécie de perereca (na verdade um sapo) considerada “criticamente ameaçada” de extinção. Os comentários, mui edificantes referentes à conservação da biodiversidade no nosso país. Vejam só:

“Coloca-se o Brasil todo a serviço das pererecas. ... Nós sabemos da importância das pererecas, mas não pode parar o Brasil. ... Eu vou passar embaixo daquele túnel nem que eu tiver que me 'atarracar' com aquela perereca lá. Peça para a perereca sair de perto, porque eu vou vir meio nervoso".

Nunca antes na história desse país um governante atacou tão explícita, verborrágica, e, enfim, despudoradamente uma área da ciência como nosso presidente fez com a Biologia da Conservação.

E bom né, se o presidente do país me diz um troço desses, o que esperar da política de obras do governo? O pior é que pra entender a importância da conservação, não é necessário nem se ater aos aspectos não-utilitários da conservação. Já tá mais do que demonstrado que conservar a biodiversidade é economicamente estratégico para um país. Bem resumidamente, quanto mais degradação, mais alteração das condições de subsistência das comunidades que vivem na área, e mais dinheiro tem que ser destinado a essas comunidades e à recuperação das áreas.

Duro vai ser acompanhar no noticiário algum futuro discurso presidencial no exterior louvando a rica biodiversidade brasileira, blá, blá, blá. Ele só terá que explicar que a essa biodiversidade só é legal quando não atrapalha o PAC...
Na foto, o simpático Melanophyniscus macrogranulosus em vista dorsal (à direita), e ventral (à esquerda), onde se entende pelo menos parte de seu nome popular: “sapo narigudo de barriga vermelha, junto com seu mui amigo famoso.
PS: Fora que tanto descaso com o anuro é no mínimo uma falta de sensibilidade pra quem já foi chamado de sapo barbudo, vocês não acham?

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O cão que tomou Prozac – e outras histórias

Texto referente a um artigo que saiu na seção “News” da Revista Science de 23 de Julho (Science 329: 386-7, http://www.sciencemag.org/cgi/content/short/329/5990/386 p/ assinantes).




Bem, Galileu nos ensinou, para estupefação geral, que não somos o centro do universo... Duro, né? Bom, podia ser pior... Veio o Darwin, e aí vocês sabem... nossa espécie está aparentada, em maior ou menor grau, com todas as outras espécies viventes no planeta. Não fomos criados especialmente nem temos uma história especial (ou ao menos, não mais especial do que àquela de todos os primos).

O que é interessante nessa coisa toda, é que embora a idéia darwiniana de ancestralidade com modificação tem mais de 150 anos, e mesmo assim o pessoal se surpreende. Um veterinário americano, Nicholas Dodman, da Clínica de Comportamento Animal da Universidade Tufts, conseguiu tratar Dobermanns com comportamento obsessivo (tipo o nosso velho Transtorno Obsessivo Compulsivo – TOC) e ele pode ter descoberto uma nova droga para tratamento de pessoas com TOC. A primeira nova droga em décadas! A droga em questão é a Memantina, atualmente aprovada para uso na doença de Alzheimer, e usada junto com Prozac nos cães (só o Prozac está no título porque ninguém saberia o que é a Memantina, certo? Um pouco de “licença poética”, por favor). A combinação também foi testada com sucesso em pessoas com TOC em um estudo clínico pequeno, em estudo chefiado pelo psiquiatra Michael Jenike, do Hospital McLean, em Belmond, nos EUA .

Em termos bioquímicos, a nova droga é interessante por sugerir que o tratamento do TOC será mais eficiente se não tiver como alvo apenas o neurotransmissor Serotonina (o Prozac atua nessa rota), mas também o glutamato, alvo da Memantina.

Em termos conceituais, o fascinante dessa história é o comentário de Dodman, sobre as enormes dificuldades em fazer com que outros cientistas aceitem que animais com desvios de comportamento podem ser úteis em nos ensinar a base biológica desses transtornos em humanos (ok, pelo menos parte dela). Lembrando, mais de 150 anos depois de Darwin... Vejam por exemplo o que o próprio Jenike disse (em tradução livre): “Para mim é difícil ver um cão mordendo a própria pata e chamar isso de TOC. No TOC você precisa saber o que há dentro da cabeça.”

Mas peraí, deveria ser tão surpreendente mesmo? Não compartilhamos uma base biológica imensa com nossos animais de estimação (para os gateiros, como eu, o artigo também comenta o caso de gatos que começam a limpar as patas compulsivamente)? Se algo químico não vai bem no cérebro do bicho (ou do nosso), não é totalmente plausível que comportamentos anormais semelhantes surjam? Segundo Dodman, talvez a única doença psiquiátrica sem paralelo no mundo animal seja a esquizofrenia.

Pros geneticistas, algo bem bacana também. Estudando um grupo de Pinschers com “TOC”, ele encontrou que o gene da caderina-2, uma proteína envolvida no desenvolvimento do cérebro e potencialmente relacionada com os receptores de glutamato, estava super-representada em cães com o transtorno. Um estudo está sendo feito em humanos com TOC focando nas caderinas, sob responsabilidade de Dennis Murphy, do instituto Nacional de Saúde Mental em Maryland, nos EUA.

Pra humanidade a coisa tá feia. Nem as “nossas” doenças a gente pode ter em paz...

Os (poucos) Profissionais da Pós-Graduação


O CNPq e a CAPES, as duas principais agências nacionais de fomento à pesquisa e concessão de bolsa aos estudantes de Pós-Graduação (PG), publicou recentemente uma nova portaria que permite que alunos de PG recebam valor integral da bolsa de estudos ainda que possuam vínculo empregatício. A portaria completa pode ser conferida aqui: http://www.capes.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/36-noticias/3958-nova-portaria-permite-acumulo-de-bolsas-com-atividades-remuneradas. Em entrevista (jornal Zero Hora de 17/07/2010), o presidente do CNPq Carlos Aragão deixou claro o objetivo da medida: evitar a perda de competitividade da carreira de PG em relação a empregos formais de melhor remuneração, em especial em áreas como nas Engenharias e Medicina.

Vou resumir meus questionamentos em dois argumentos principais:

a) se os alunos de PG empregados não estiverem dedicados todo o tempo à PG (excluindo-se aí, portanto, professores universitários liberados por suas instituições para cursar uma PG, por exemplo) é justo que eles recebam, por parte das agências de fomento, a mesma remuneração que estudantes que se dedicam exclusivamente à PG? Não seria mais justo criar uma linha de fomento adicional para os alunos que mantêm vínculo empregatício, que não concorresse com a linha de bolsas para bolsistas em tempo integral? (Ok, essa resposta é fácil... da forma como foi feita, o orçamento das agências não precisa ser alterado). Afinal, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, como é da sabedoria popular...

b) será que uma outra forma de deixar a PG mais atraente não é profissionalizá-la? Porque olha só, uma boa parte dos alunos de PG (e pós-doutorado) vive da bolsa, isto é tem na bolsa o seu salário. Quem não sabe disso? Pois bem, não seria mais atraente fazer como todos os países europeus fazem e tratar a PG (e o pós-doutorado) como uma PROFISSÃO? Isso significa dar direitos trabalhistas aos alunos, pagar-lhes aposentadoria, férias, 13º, cobrar-lhes impostos, etc, etc. Notem que até as bolsas técnicas para graduados (DTI) do CNPq não são consideradas como atividade profissional!!! E o supra-sumo da ironia, na tabela de remuneração das DTIs contam-se os anos de “experiência profissional”, sendo que o pessoal normalmente conta Mestrado ou Doutorado!! Ué, mas não é o próprio CNPq que considera que isso NÃO é “trabalho”? Claro, de novo aqui temos o grande problema da enorme quantidade de grana (que as agências não têm, sejamos justos) que seria necessária para cobrir os custos trabalhistas de toda essa gente, mas nem começar a discutir a questão?

Por supuesto que a nova regra tem suas vantagens e, o que pode ser mais importante, surge de uma preocupação legítima, mas não é desconfortável ver perpetuada a idéia de que o bolsista não é um profissional de pesquisa??? Ok, até é defensável a noção de que alunos de PG ainda estão em formação, e não são profissionais completos, blá, blá, blá, mas e que dizer sobre pós-doutorados (que lecionam e orientam?) e para os bolsistas técnicos? Não é por nada não, mas se uma empresa privada fizesse o que o CNPq faz acho que dava problema com os direitos trabalhistas, hein?

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Sobre a imagem do Bio-Blogando

A imagem ali no título do blog foi tirada (se não me engano) pela Ana Lúcia Segatto, doutoranda em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS, em uma saída de campo que fizemos na região das Guaritas, em Caçapava do Sul, RS.

Bem-vindos!

Olá a todos!

Há algum tempo já estava pensando em fazer um blog pra discutir o dia-a-dia da Biologia e da Ciência em geral. Por quê? Ora, porque acho que as descobertas da Biologia, mesmo as conceituais (talvez principalmente as conceituais...) têm um impacto cada vez maior na vida das pessoas. Ainda assim, há muito pra se dismistificar e, obviamente, há muito para se discutir. Os diferentes pontos de vista sobre esses assuntos, seja do público, seja dos cientistas, raramente são levados em conta nas notas convencionais sobre avanços científicos. Um dos objetivos desse espaço é propiciar essa troca de idéias. Normalmente, colocarei aqui artigos que eu ache de interesse geral, ou editoriais e comentários sobre ciência retirados de revistas como Nature, Science, PLoS, etc. Pretendo também dar destaque a trabalhos realizados por pesquisadores brasileiros. Conto com a ajuda de vocês para tornar esse espaço o mais interessante possível.

Sei bem que nesse meio de campo - nem exatamente divulgação científica para um público leigo, nem exatamente discussão entre especialistas - o blog pode se perder. Isso provavelmente ocorrerá algumas vezes. Novamente, conto com todos vocês para me ajudar a achar o tom certo. Desejo uma boa leitura a todos!

Grande abraço