sábado, 11 de setembro de 2010

De volta (e pra cadeia!)

Bem... Devido a alguma preguiça, a algumas aulas, e a uma virose absolutamente cretina, estamos de volta com o Bio-Blogando, e sim, a idéia é deixar um texto semanal em média por aqui. A ver.


Como uma espécie de exposição pública da minha vergonha pelo período de inatividade, resolvi comentar uma matéria da Science de 16 de Julho (http://www.sciencemag.org/cgi/content/summary/329/5989/262) - meio velhinha pra uma notícia, portanto, mas vamos lá.



O texto trata da captura, no dia 7 de Julho, de um serial killer californiano responsável por pelo menos 10 assassinatos na metade dos anos 80. A história da captura, resumidamente é a seguinte: na Califórnia foi permitido que se criasse, para auxiliar em investigações policiais, um banco de DNA (na verdade um bando com o perfil genético desses indivíduos para marcadores genéticos semelhantes aos usados para paternidade) de indivíduos condenados por qualquer crime. O banco conta atualmente com 1,3 milhão de entradas. O material genético coletado na cena dos crimes na década de 80 foi genotipado e uma busca contra esse banco feita em 2008 retornou vazia. A busca, é importante dizer, é feita de modo a relatar um ranking de suspeitos baseados em similaridade genética, o que significa dizer que o banco não se concentra apenas em matches (identificações) perfeitas, ampliando em princípio o poder do método.

Em 2010, uma nova busca foi realizada, resultando agora em um indivíduo: Christopher Franklin, um jovem negro condenado por porte de arma. Devido ao grau de similaridade entre o perfil genético de Christopher e o do assassino, e também à data dos crimes, as suspeitas da polícia recaíram então sobre o pai de Christopher, Loonie Franklin Jr, agora com 57 anos. Com autorização judicial, a polícia coletou um pedaço de pizza jogado no lixo (parece CSI, né?), extraiu DNA, fez os testes, e BINGO! O perfil genético de Loonie e do assassino eram idênticos, levando rapidamente à prisão de Loonie.

É complicado ler uma história dessas e não ficar orgulhoso do bom uso da ciência e, mais especificamente, da genética, como ferramenta na resolução desse tipo de problema. Ninguém acharia justo que o Sr Loonie permanecesse em liberdade, certo? Pois é, mas segundo algumas pessoas, pode sim haver alguns problemas. Vamos a eles, porque pensar na complexidade do mundo é algo muito divertido.

1. Notem que o software aponta por similaridade e embora os chefes do laboratório afirmem o programa é incapaz de sugerir um suspeito com 25% (equivalente a tio/sobrinho, meios-irmãos, ou avô/neto, por exemplo) ou menos de compartilhamento, é impossível estar 100% seguro que o programa não possa, eventualmente, sugerir um suspeito totalmente não-relacionado com o culpado. Nesse caso, as chances estão contra os negros e latinos, maioria da população carcerária que compôs a amostra.

2. Como conseqüência do nosso 1º ponto, qualquer pessoa pode tornar-se suspeita de ter cometido um crime simplesmente por ter algum parentesco com alguém já condenado por outro crime. Seu tio que você nunca viu foi condenado por algo? Você é um suspeito em potencial para todo e qualquer crime a ser investigado com o método acima.

3. Existe também a questão do direito ao acesso à informação genética individual. Ainda que possamos assumir que no caso dos condenados a justiça entendeu que eles perderam o direito a manterem em privado parte das informações do seu DNA, isso acaba, devido ao parentesco, se estendendo a toda a família do condenado. O recado é que se você tem parentes condenados, você tem menos direito de manter seu DNA em segredo.

Eu vejo ainda possibilidade para uma 4ª questão. Tradicionalmente, nosso sistema de justiça considera que depois de cumprida a pena, quita-se a dívida do sujeito com a sociedade (não estou nem dizendo que concordo, apenas que a lógica é essa). Bom, se as informações do indivíduo não são apagadas do banco de dados após cumprida a pena, é claro que algo não está funcionando nessa lógica...

Por outro lado, o Estado coleta medidas biométricas de todos nós (impressões digitais no mínimo). Ok, essas não são herdáveis, e são únicas mesmo para gêmeos idênticos... Por outro lado, o que vimos acima é essencialmente diferente de uma investigação mais tradicional que também pode chegar aos suspeitos errados pelos mais diferentes motivos? Ou será que só é tecnologicamente diferente? E será que quando é tecnologicamente diferente as pessoas tendem a achar que é mais eficiente? Eu acho tudo isso muito complicado... E vocês?