segunda-feira, 26 de julho de 2010

O cão que tomou Prozac – e outras histórias

Texto referente a um artigo que saiu na seção “News” da Revista Science de 23 de Julho (Science 329: 386-7, http://www.sciencemag.org/cgi/content/short/329/5990/386 p/ assinantes).




Bem, Galileu nos ensinou, para estupefação geral, que não somos o centro do universo... Duro, né? Bom, podia ser pior... Veio o Darwin, e aí vocês sabem... nossa espécie está aparentada, em maior ou menor grau, com todas as outras espécies viventes no planeta. Não fomos criados especialmente nem temos uma história especial (ou ao menos, não mais especial do que àquela de todos os primos).

O que é interessante nessa coisa toda, é que embora a idéia darwiniana de ancestralidade com modificação tem mais de 150 anos, e mesmo assim o pessoal se surpreende. Um veterinário americano, Nicholas Dodman, da Clínica de Comportamento Animal da Universidade Tufts, conseguiu tratar Dobermanns com comportamento obsessivo (tipo o nosso velho Transtorno Obsessivo Compulsivo – TOC) e ele pode ter descoberto uma nova droga para tratamento de pessoas com TOC. A primeira nova droga em décadas! A droga em questão é a Memantina, atualmente aprovada para uso na doença de Alzheimer, e usada junto com Prozac nos cães (só o Prozac está no título porque ninguém saberia o que é a Memantina, certo? Um pouco de “licença poética”, por favor). A combinação também foi testada com sucesso em pessoas com TOC em um estudo clínico pequeno, em estudo chefiado pelo psiquiatra Michael Jenike, do Hospital McLean, em Belmond, nos EUA .

Em termos bioquímicos, a nova droga é interessante por sugerir que o tratamento do TOC será mais eficiente se não tiver como alvo apenas o neurotransmissor Serotonina (o Prozac atua nessa rota), mas também o glutamato, alvo da Memantina.

Em termos conceituais, o fascinante dessa história é o comentário de Dodman, sobre as enormes dificuldades em fazer com que outros cientistas aceitem que animais com desvios de comportamento podem ser úteis em nos ensinar a base biológica desses transtornos em humanos (ok, pelo menos parte dela). Lembrando, mais de 150 anos depois de Darwin... Vejam por exemplo o que o próprio Jenike disse (em tradução livre): “Para mim é difícil ver um cão mordendo a própria pata e chamar isso de TOC. No TOC você precisa saber o que há dentro da cabeça.”

Mas peraí, deveria ser tão surpreendente mesmo? Não compartilhamos uma base biológica imensa com nossos animais de estimação (para os gateiros, como eu, o artigo também comenta o caso de gatos que começam a limpar as patas compulsivamente)? Se algo químico não vai bem no cérebro do bicho (ou do nosso), não é totalmente plausível que comportamentos anormais semelhantes surjam? Segundo Dodman, talvez a única doença psiquiátrica sem paralelo no mundo animal seja a esquizofrenia.

Pros geneticistas, algo bem bacana também. Estudando um grupo de Pinschers com “TOC”, ele encontrou que o gene da caderina-2, uma proteína envolvida no desenvolvimento do cérebro e potencialmente relacionada com os receptores de glutamato, estava super-representada em cães com o transtorno. Um estudo está sendo feito em humanos com TOC focando nas caderinas, sob responsabilidade de Dennis Murphy, do instituto Nacional de Saúde Mental em Maryland, nos EUA.

Pra humanidade a coisa tá feia. Nem as “nossas” doenças a gente pode ter em paz...

Os (poucos) Profissionais da Pós-Graduação


O CNPq e a CAPES, as duas principais agências nacionais de fomento à pesquisa e concessão de bolsa aos estudantes de Pós-Graduação (PG), publicou recentemente uma nova portaria que permite que alunos de PG recebam valor integral da bolsa de estudos ainda que possuam vínculo empregatício. A portaria completa pode ser conferida aqui: http://www.capes.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/36-noticias/3958-nova-portaria-permite-acumulo-de-bolsas-com-atividades-remuneradas. Em entrevista (jornal Zero Hora de 17/07/2010), o presidente do CNPq Carlos Aragão deixou claro o objetivo da medida: evitar a perda de competitividade da carreira de PG em relação a empregos formais de melhor remuneração, em especial em áreas como nas Engenharias e Medicina.

Vou resumir meus questionamentos em dois argumentos principais:

a) se os alunos de PG empregados não estiverem dedicados todo o tempo à PG (excluindo-se aí, portanto, professores universitários liberados por suas instituições para cursar uma PG, por exemplo) é justo que eles recebam, por parte das agências de fomento, a mesma remuneração que estudantes que se dedicam exclusivamente à PG? Não seria mais justo criar uma linha de fomento adicional para os alunos que mantêm vínculo empregatício, que não concorresse com a linha de bolsas para bolsistas em tempo integral? (Ok, essa resposta é fácil... da forma como foi feita, o orçamento das agências não precisa ser alterado). Afinal, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, como é da sabedoria popular...

b) será que uma outra forma de deixar a PG mais atraente não é profissionalizá-la? Porque olha só, uma boa parte dos alunos de PG (e pós-doutorado) vive da bolsa, isto é tem na bolsa o seu salário. Quem não sabe disso? Pois bem, não seria mais atraente fazer como todos os países europeus fazem e tratar a PG (e o pós-doutorado) como uma PROFISSÃO? Isso significa dar direitos trabalhistas aos alunos, pagar-lhes aposentadoria, férias, 13º, cobrar-lhes impostos, etc, etc. Notem que até as bolsas técnicas para graduados (DTI) do CNPq não são consideradas como atividade profissional!!! E o supra-sumo da ironia, na tabela de remuneração das DTIs contam-se os anos de “experiência profissional”, sendo que o pessoal normalmente conta Mestrado ou Doutorado!! Ué, mas não é o próprio CNPq que considera que isso NÃO é “trabalho”? Claro, de novo aqui temos o grande problema da enorme quantidade de grana (que as agências não têm, sejamos justos) que seria necessária para cobrir os custos trabalhistas de toda essa gente, mas nem começar a discutir a questão?

Por supuesto que a nova regra tem suas vantagens e, o que pode ser mais importante, surge de uma preocupação legítima, mas não é desconfortável ver perpetuada a idéia de que o bolsista não é um profissional de pesquisa??? Ok, até é defensável a noção de que alunos de PG ainda estão em formação, e não são profissionais completos, blá, blá, blá, mas e que dizer sobre pós-doutorados (que lecionam e orientam?) e para os bolsistas técnicos? Não é por nada não, mas se uma empresa privada fizesse o que o CNPq faz acho que dava problema com os direitos trabalhistas, hein?